O que Nunca Disse Sto. Tomás de Aquino acerca das mulheres

Por Michael Nolan
Tradução: Cristiano de Aquino e Wagner de Souza


     Se a primeira vítima da guerra é a verdade indesejável, a primeira ferramenta do descontente é a mentira estimada. E tais mentiras se estão a praticar em torno de Sto. Tomás de Aquino. Cito, aqui, duas que freqüentemente são encontradas na literatura feminista: a de que alega ele que as mulheres são homens defeituosos, e a que afirma que o embrião humano masculino recebe uma alma racional mais cedo que o feminino. Sto. Tomás de Aquino em parte alguma fez a segunda alegação, e quanto a primeira, não somente não a postulou, mas a negou por nada menos que seis vezes.


    Poder-se-ia perguntar por que considerava ele necessário negar que a mulher é defeituosa. A resposta está em Aristóteles, cuja concepção da reprodução afirma que "a fêmea é tal um macho defeituoso." Como um teólogo católico, Sto. Tomás de Aquino cria que Deus, pessoalmente, criou a primeira mulher. Não pode, portanto, ser ela defeituosa. No entanto, na Idade Média evocava o nome de Aristóteles uma admiração comparável a que, hoje, nos desperta um Einstein. O que nos disse sobre a mulher - ou tudo mais - muito ponderadamente tomar-se-ia a sério nas universidades medievais. Envida-se Sto. Thomas, portanto, por habilmente restituir a seu contexto a proposição de Aristóteles e demonstrar que tem uma limitada aplicação de que não resulta sejam defeituosas as mulheres.




      A teoria da reprodução em Aristóteles corretamente dá-nos o sêmen como a substância reprodutora masculina. Não sabia ele, entretanto, da existência do óvulo - obtida apenas com as pesquisas de William Harvey, inglês do século XVII, que descobriu, outrossim, a circulação do sangue. Supunha Aristóteles que a substância reprodutiva feminina era uma mais pura fração do sangue menstrual. Ambas substâncias, diz-nos, são pelo corpo produzidas n´um processo de "concentração", que requer calor. A substância masculina, o sêmen, é mais concentrada do que a substância feminina. Aristóteles conclui que o macho possui mais calor que a fêmea. É, portanto, a fêmea relativamente carente de calor e é este o significado da proposição de que a mulher é um homem defeituoso. Trata-se, pois, d´uma demonstração bem limitada, e não tem qualquer significado mais geral do que a asserção de que as mulheres carecem da força muscular dos homens.

    Aristóteles tem, no entanto, mais a dizer. Supõe que o sêmen masculino tenciona "dominar" a substância reprodutiva feminina a fim de precipitar nela o desenvolvimento d´uma criança do sexo masculino. Porém, amiúde, manifestamente em cerca de 50 por cento das ocasiões, o próprio sêmen é "dominado", ou porque é fraco, e a substância feminina resiste a sua ação, ou por algum outro motivo. Nasce, pois, uma criança do sexo feminino. Em outras palavras, a criança do sexo feminino não é o que "apetecia" ao sêmen masculino, nasce porém de alguma falha em sua ação.

     Para ser justo com Aristóteles é preciso acrescentar que esta falha, ou cinca, afigura-se-lhe dada na Natureza, uma vez que à reprodução e sobrevivência dos animais é indispensável que haja macho e fêmea. A fêmea não é, pois, defeituosa, mas apenas como se tal fosse.

    A frase de Aristóteles "é a fêmea tal se fosse um macho defeituoso" chegou aos escolásticos na tradução: "femina est mas occasionatus". "Occasionatus" não é um vocábulo do latim clássico.O usaram os escolásticos para significar algo eventual ou acidentalmente causado. Ora, os acidentes, usualmente, redundam no pior, e tanto assim que quando, contrariamente, resultam n´um acerto, são tomados como "felizes". A frase implica, portanto, de que há algo deficiente na fêmea.

   Sto. Tomás, como dissemos, toma o assunto tão austeramente que com aquela frase entesta nada menos do que seis vezes. Sobretudo na Suma Teológica (S.Th. I, Q92, 1).Surge, pois, a questão quando da criação do mundo. Sto. Tomás se interroga se, desde o início dos tempos, devia Deus ter criado a mulher. Embora a resposta axiomática a isto seja sim, Sto. Tomás entretanto opõe-lhe algumas objeções. A primeira é que afirmou Aristóteles que o sexo feminino é um macho "imprevisto" (occasionatus) e o que é "imprevisto" é anômalo.Segue-se que é anômala a mulher. Ora, não faria Deus, desde a aurora do mundo, defeituosa a alguma coisa e, conseqüentemente, não deveria, pois, ter criado a mulher.

     São Tomás responde a objeção como se segue: Pode a fêmea não ser postulada pelo sémen masculino, mas o é certamente pela própria natureza. E uma vez que é Deus o autor da natureza, foi a mulher concebida por Deus. Sendo, pois, concebida, será jamais um defeito. Logo, fez Deus a mulher justamente no início do mundo.

     "Considerada quanto a natureza específica, a fêmea é algo defeituoso e "occasionatum", uma vez que a força ativa do sêmen masculino tende produzir uma imagem perfeita de si mesma no sexo masculino. Se é porém gerada uma fêmea, ela o é em decorrência d´uma fraqueza da potência ativa, ou por causa de alguma má disposição da matéria; outrossim, em razão d´uma mudança induzida por influência extrínseca...Porém, considerada quanto a natureza universal, é jamais occasionatum, a fêmea, mas algo estabelecido pela natureza para o mister da geração.De Deus, seu único autor, depende toda a natureza universal. Portanto, ao institui-la, fez Deus não só o homem, mas também a mulher."

   A passagem requer algum comentário. A expressão "Considerada quanto a natureza específica, a fêmea é algo defeituoso e "occasionatum"" a ouvidos pouco afeitos à linguagem escolástica pode sugerir que é anômala a natureza específica do sexo feminino. Mas "natureza específica" significa o poder ou força n´uma determinada coisa, e aqui a natureza específica é o poder do sêmen masculino. Dúvida alguma deve restar a esse respeito, pois em sua Suma Contra gentios (SG 3, 94), Sto. Tomás de Aquino explicitamente afirma que a natureza específica é o poder do sêmen.

     A frase que a mulher "mas algo estabelecido pela natureza para o mister da geração" não deve ser tomada de tal modo porque se conclua que não o tenha sido também o homem. Sto. Tomás de Aquino explicitamente afirma, no mesmo artigo, que tanto a mulher quanto o homem têm mais importantes coisas a fazer do que procriar. Sua mais elementar tarefa é conhecer e compreender o mundo em que vivem. Em verdade, a razão porque são distintos os sexos é a de que, para explorar à sua maneira o mundo, devem, pois, ser diferentes as pessoas.

     Note-se o significado que à declaração do Gênesis, de que foi a primeira mulher formada da costela do primeiro homem, dá S. Tomás. A Mulher, diz-nos, (S. Th I, Q92, 3) não foi formada da cabeça do homem, porque não deve dominá-lo. Nem o foi a partir dos seus pés, para que não fosse desprezada pelo homem, tal fosse sujeita a ele como um servo. Em vez disso, foi ela feita a partir de sua costela, de modo a significar que o homem e a mulher devem estar tanto juntos como aliados (socialis coniunctio).

    Também a partir d´um comentário de Aristóteles disseminou-se a errônea atribuição a Sto. Tomás da opinião segundo a qual o embrião masculino recebe uma alma racional mais cedo que a fêmea. Sto. Tomás de Aquino cita (In III Sent., 3, 5, 2, co et ad 3) uma passagem da "História dos Animais" de Aristóteles, em que nos diz o Estagirita que se é abortado um embrião, pode a completa maturação do macho ser percebida em 40 dias, a da fêmea somente após 90 dias.Ele cita esta passagem porque tenciona argumentar de que o corpo de Cristo estava em todos os detalhes completo, ainda que mui pequeno, desde a concepção, enquanto apenas gradualmente completam-se, ou amadurecem-se, os outros embriões. Nem na original declaração de Aristóteles, tampouco no comentário de Sto. Tomás de Aquino há qualquer referência à infusão da alma. Há mais de cinqüenta passagens em que se refere ele à infusão da alma racional. Em nenhuma dessas passagens, porém, faz qualquer distinção entre homens e mulheres.

   Em suma, aqueles que procuram a evidência de que concebeu o Cristianismo a mulher como um homem defeituoso terão de a procurar em outro lugar, mas não em Sto. Tomás de Aquino.



Michael Nolan é Professor Emérito do Maurice Kennedy Research Center da University College, Dublin.

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